O artista William de Paula, 33, vem trabalhando, ao longo das últimas semanas, na produção de um mural chamado “Valentia”. A obra – de caráter social - consiste na representação, por meio do grafite, de quatro figuras consideradas importantes dentro da cultura nacional na visão de William, ainda que nem todos sejam conhecidos do grande público, e está sendo pintada nos muros da E. E. Jardim Cruzeiro, localizada no bairro homônimo.

Morador do bairro, De Paula – que possui um estúdio de tatuagem na cidade - explicou que a ideia de produzir o mural “Valentia” veio de inquietações e questionamentos feitos por ele próprio, e também graças a outros dois objetivos: o primeiro é levar para os moradores do Jardim Cruzeiro o acesso gratuito à arte, já que em sua visão há uma enorme carência neste sentido dentro da cidade.

“Eu já estava com a ideia de fazer um mural grande em Mauá”, contou o artista, que teve o impulso inicial de procurar a direção da instituição de ensino e apresentar o projeto. Após alguns meses do primeiro contato, o artista recebeu autorização para começar a pintura, que é realizada de forma voluntária. “Pensei de que forma eu conseguiria organizar isso, de doar um trabalho para a comunidade, como se fosse um presente mesmo, e também levar esse acesso à arte para a comunidade, porque querendo ou não é uma tela gigante”, explicou.

“Era mais isso, tentar trazer esse acesso à arte para aquele bairro, que é bem precário, é bem carente neste sentido, e também colaborar com a escola, já que a educação é uma coisa em que eu acredito muito. Acho que a arte, junto com a educação, consegue transformar de fato as pessoas”, acrescentou.

Já o segundo objetivo do artista mauaense com sua criação foi chamar a atenção para a história das personagens retratadas na obra: os líderes indígenas Ailton Krenak e Enir Terena e as escritoras Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus. Junto às quatro personagens, também haverá a imagem de uma tamanduá-bandeira, animal símbolo da fauna brasileira.

“São basicamente três murais que conversam entre si. Voltando nessa questão das inquietações, das contradições, eu queria levar para essa comunidade coisas que gostaria de ter tido acesso quando era mais novo. Seria muito legal, ver na frente da minha casa, algumas pessoas que, se eu fosse pesquisar sobre, conheceria um mundo que com certeza teria tido um impacto muito grande na minha vida, se eu tivesse tido essa oportunidade antes”.

Refletindo sobre a história de cada retratado em “Valentia”, De Paula destacou a luta de Ailton Krenak, desde a época da Ditadura Militar, pelos direitos dos povos originários à terra, à direitos sociais e à saúde; a atuação da cacique Enir Terena, no Mato Grosso, em busca do resgate às origens de seu povo, que cresceu à margem do desenvolvimento da capital Campo Grande, por meio de ocupações que se tornaram uma aldeia urbana; e as obras de Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus, que ele conheceu na faculdade. “São pessoas que lutaram por direitos diferentes, mas de certa forma, direitos semelhantes”, resumiu.

A expectativa de William de Paula é que o mural, iniciado em meados de abril, esteja pronto nas próximas semanas. O artista afirmou que deseja realizar uma cerimônia de inauguração do grafite, que tem agradado aos moradores do bairro.

“Geralmente sempre tem a interação das pessoas, de falar, de perguntar. Ontem (dia anterior à entrevista) um senhor apareceu e começou a conversar comigo, falando que (o mural) estava bonito, agradecendo. Então a gente vê que existe muito essa devolução da comunidade, porque eles veem que tem alguém ali, de certa forma, olhando por eles, de estar prestando um trabalho. Isso tem sido bem legal, essa devolução das pessoas, motiva bastante”.